Muitas pessoas hão de espernear diante dessa minha afirmação, mas basta apenas uma olhada superficial sobre a história da moda brasileira para chegar à conclusão óbvia de que nenhuma grife, estilista ou industrial do setor têxtil deste país chegou nem perto do sucesso internacional (e também dentro de nossas fronteiras) que a Daslu obteve.
Não vou falar aqui dos desdobramentos da Operação Narciso, comandada pela Polícia Federal, que desmantelou o maior império do luxo brasileiro. Outros certamente o farão. Vou me ater à Eliana Tranchesi que colocou a moda brasileira num patamar nunca antes imaginado. E essa, meninos, eu vi…
Como acompanho há anos, religiosamente, as semanas internacionais de moda in loco, sempre me incomodou o desconhecimento absoluto dos editores estrangeiros em relação ao Brasil, da geografia à economia. Agora que o país é a “bola da vez” entre as economias emergentes, é fácil observar o desembarque de grifes como Chanel, Prada, Gucci e Dolce Gabbana com a sede voraz de abrir boutiques em série por aqui. Mas, 22 anos atrás, quando nenhuma delas cogitava se instalar no caótico e inflacionário Brasil, foi Eliana quem vendeu o peixe de que o país era o lugar ideal para se investir e para cá vieram to-das, ajudadas pela liberação das importações por Collor. Os proprietários das grifes morriam de medo das inconstâncias dos planos econômicos brasileiros e não queriam dar o braço a torcer, temendo que o jogo pudesse virar a qualquer momento. Não se arrependeram de ter confiado nela: a loja da Chanel na Daslu, por exemplo, chegou a ser a número 1 em vendas por metro quadrado no mundo. Em seu apogeu, a loja chegou a comercializar 70 marcas estrangeiras.
Aos poucos, a casa da Vila Nova Conceição, em São Paulo, virou um grande complexo de dois quarteirões e casinhas interligadas. Eliana remodelou a grife fundada por sua mãe há 55 anos e comandada por ela desde 1983 a partir de uma competente compilação de tendências das passarelas nacionais e internacionais, chegando a exportá-la para multimarcas de quatro continentes.
Ela também reuniu em suas araras um sem-número de grifes nacionais, do Nordeste ao Sul do Brasil. Pela primeira vez, a moda brasileira se encontrava num mesmo endereço. Ter a marca comercializada pela Daslu ajudava a catapultar as vendas, multiplicar os pedidos, procurar mais fornecedores, gerar mais empregos. Publicações estrangeiras enviavam seus repórteres para investigar e enaltecer a fórmula peculiar de retail de luxo lançada pela Daslu: uma loja de departamentos sem fronteiras entre as boutiques, com socialites trabalhando como vendedoras, mocinhas de aventais brancos servindo café e champagne e uma área reservada para as provas de roupas das mulheres, que ficavam nuas umas na frente das outras. Homens só eram bem-vindos na véspera do Dia das Mães. Outro detalhe inédito no mercado mundial: as clientes poderiam parcelar suas compras em até seis vezes.
O interesse gerado pela Daslu trouxe, pela primeira vez, uma revoada de nomes do jornalismo de moda internacional para cá e abriu uma oportunidade para que outras marcas brasileiras fossem “descobertas”. As coleções e decorações temáticas insistiam em vender o tal “lifestyle brasileiro”, que virou bem imaterial de altíssimo valor. Nunca vou esquecer a festa de 40 anos da Daslu, no Jockey de São Paulo, que teve desfile de alta-costura de Valentino, feito inédito fora de Paris. Nem a de 50 anos, que reuniu Paris inteira em torno da celebração em plena semana de moda – isso mesmo depois do escândalo. Nem o show-room da Daslu no Hotel Plaza Athénée de Paris, repleto de celebridades, jornalistas e compradores das multimarcas mais importantes do planeta.
Assim como o mundo do futebol dizia “Pelé” quando ouvia falar do Brasil, o da música, “Tom Jobim”, e o da arquitetura, “Niemeyer”, a cúpula da moda dizia “Daslu”. Estamos falando de uma indústria que movimenta US$ 300 bilhões por ano em todo o planeta. Em seu auge, a Daslu movimentava R$ 400 milhões por ano e empregava mil pessoas.
A elite brasileira se vestia nessa loja, que de repente virou o grande símbolo das disparidades sociais do país, como se a pobreza existisse por causa da riqueza. Bobagem: a culpa é da má administração da máquina pública, da corrupção, da péssima distribuição de renda e de práticas nefastas de alguns empresários para burlar o fisco – caso da Daslu. Não foi surpresa que a Operação Narciso tenha sido deflagrada logo depois da inauguração da nova sede na Vila Olímpia, um verdadeiro templo de consumo, superlativo, ostensivo. Na primeira vez que entrei lá, confesso que senti um calafrio; a loja gritava dinheiro. Era o oposto do luxo discreto pregado por Eliana por décadas a fio.
As consequencias das investigações acabaram por golpear a reputação, a saúde (a descoberta do câncer se deu logo depois do escândalo) e as finanças (ela morreu apenas com a casa em que morava e pouquíssimos bens) de Eliana. Sua pena foi de 94,5 anos de prisão, quase a mesma do homem que matou Eloá. Em 2010, o empresário Marcus Elias adquiriu o controle da marca, para a qual a empresária passou a prestar consultoria. A Daslu cancelou a operação de importações e voltou a se dedicar única e exclusivamente à marca nacional que leva seu nome. Durante sua lenta e prolongada agonia, mesmo de longe, Eliana não deixou de despachar com as funcionárias. O telefone só parou de tocar depois do dia 7 de fevereiro, quando foi inaugurada a nova loja da Daslu no Shopping Cidade Jardim, data que coincidiu com o fechamento das portas da sede original, que será implodida por seus novos donos.
“A crise da Daslu e mais o câncer me fizeram sentir como se eu fosse uma criança deixando abruptamente a Disney. A Daslu é a Disney, onde tudo é lindo, as vendedoras são lindas, o cabelo é lindo, a roupa é linda, é tudo bonito. É tudo agradável. Então, de repente, você sai desse mundo da Disney e cai lá dentro do Einstein já com um monte de pacientes com câncer”, disse ela.
Eliana, que tinha 56 anos, parecia ter esperado o fim da Daslu para se despedir de um mundo que, definitivamente, não parecia mais ser o dela. E deixou instruções precisas a parentes e amigos do que deveria vestir no dia em que fosse sepultada – uma última deferência a um universo que ela de certa forma ajudou a construir.
Apesar dos erros que cometeu, Eliana foi o maior nome que a moda deste país já teve, sedimentou a maior grife do mercado nacional e construiu a mais famosa marca brasileira de roupas no exterior. Graças a seu pioneirismo, outras acharão seu lugar ao sol.
Não vou falar aqui dos desdobramentos da Operação Narciso, comandada pela Polícia Federal, que desmantelou o maior império do luxo brasileiro. Outros certamente o farão. Vou me ater à Eliana Tranchesi que colocou a moda brasileira num patamar nunca antes imaginado. E essa, meninos, eu vi…
Como acompanho há anos, religiosamente, as semanas internacionais de moda in loco, sempre me incomodou o desconhecimento absoluto dos editores estrangeiros em relação ao Brasil, da geografia à economia. Agora que o país é a “bola da vez” entre as economias emergentes, é fácil observar o desembarque de grifes como Chanel, Prada, Gucci e Dolce Gabbana com a sede voraz de abrir boutiques em série por aqui. Mas, 22 anos atrás, quando nenhuma delas cogitava se instalar no caótico e inflacionário Brasil, foi Eliana quem vendeu o peixe de que o país era o lugar ideal para se investir e para cá vieram to-das, ajudadas pela liberação das importações por Collor. Os proprietários das grifes morriam de medo das inconstâncias dos planos econômicos brasileiros e não queriam dar o braço a torcer, temendo que o jogo pudesse virar a qualquer momento. Não se arrependeram de ter confiado nela: a loja da Chanel na Daslu, por exemplo, chegou a ser a número 1 em vendas por metro quadrado no mundo. Em seu apogeu, a loja chegou a comercializar 70 marcas estrangeiras.
Aos poucos, a casa da Vila Nova Conceição, em São Paulo, virou um grande complexo de dois quarteirões e casinhas interligadas. Eliana remodelou a grife fundada por sua mãe há 55 anos e comandada por ela desde 1983 a partir de uma competente compilação de tendências das passarelas nacionais e internacionais, chegando a exportá-la para multimarcas de quatro continentes.
Ela também reuniu em suas araras um sem-número de grifes nacionais, do Nordeste ao Sul do Brasil. Pela primeira vez, a moda brasileira se encontrava num mesmo endereço. Ter a marca comercializada pela Daslu ajudava a catapultar as vendas, multiplicar os pedidos, procurar mais fornecedores, gerar mais empregos. Publicações estrangeiras enviavam seus repórteres para investigar e enaltecer a fórmula peculiar de retail de luxo lançada pela Daslu: uma loja de departamentos sem fronteiras entre as boutiques, com socialites trabalhando como vendedoras, mocinhas de aventais brancos servindo café e champagne e uma área reservada para as provas de roupas das mulheres, que ficavam nuas umas na frente das outras. Homens só eram bem-vindos na véspera do Dia das Mães. Outro detalhe inédito no mercado mundial: as clientes poderiam parcelar suas compras em até seis vezes.
O interesse gerado pela Daslu trouxe, pela primeira vez, uma revoada de nomes do jornalismo de moda internacional para cá e abriu uma oportunidade para que outras marcas brasileiras fossem “descobertas”. As coleções e decorações temáticas insistiam em vender o tal “lifestyle brasileiro”, que virou bem imaterial de altíssimo valor. Nunca vou esquecer a festa de 40 anos da Daslu, no Jockey de São Paulo, que teve desfile de alta-costura de Valentino, feito inédito fora de Paris. Nem a de 50 anos, que reuniu Paris inteira em torno da celebração em plena semana de moda – isso mesmo depois do escândalo. Nem o show-room da Daslu no Hotel Plaza Athénée de Paris, repleto de celebridades, jornalistas e compradores das multimarcas mais importantes do planeta.
Assim como o mundo do futebol dizia “Pelé” quando ouvia falar do Brasil, o da música, “Tom Jobim”, e o da arquitetura, “Niemeyer”, a cúpula da moda dizia “Daslu”. Estamos falando de uma indústria que movimenta US$ 300 bilhões por ano em todo o planeta. Em seu auge, a Daslu movimentava R$ 400 milhões por ano e empregava mil pessoas.
A elite brasileira se vestia nessa loja, que de repente virou o grande símbolo das disparidades sociais do país, como se a pobreza existisse por causa da riqueza. Bobagem: a culpa é da má administração da máquina pública, da corrupção, da péssima distribuição de renda e de práticas nefastas de alguns empresários para burlar o fisco – caso da Daslu. Não foi surpresa que a Operação Narciso tenha sido deflagrada logo depois da inauguração da nova sede na Vila Olímpia, um verdadeiro templo de consumo, superlativo, ostensivo. Na primeira vez que entrei lá, confesso que senti um calafrio; a loja gritava dinheiro. Era o oposto do luxo discreto pregado por Eliana por décadas a fio.
As consequencias das investigações acabaram por golpear a reputação, a saúde (a descoberta do câncer se deu logo depois do escândalo) e as finanças (ela morreu apenas com a casa em que morava e pouquíssimos bens) de Eliana. Sua pena foi de 94,5 anos de prisão, quase a mesma do homem que matou Eloá. Em 2010, o empresário Marcus Elias adquiriu o controle da marca, para a qual a empresária passou a prestar consultoria. A Daslu cancelou a operação de importações e voltou a se dedicar única e exclusivamente à marca nacional que leva seu nome. Durante sua lenta e prolongada agonia, mesmo de longe, Eliana não deixou de despachar com as funcionárias. O telefone só parou de tocar depois do dia 7 de fevereiro, quando foi inaugurada a nova loja da Daslu no Shopping Cidade Jardim, data que coincidiu com o fechamento das portas da sede original, que será implodida por seus novos donos.
“A crise da Daslu e mais o câncer me fizeram sentir como se eu fosse uma criança deixando abruptamente a Disney. A Daslu é a Disney, onde tudo é lindo, as vendedoras são lindas, o cabelo é lindo, a roupa é linda, é tudo bonito. É tudo agradável. Então, de repente, você sai desse mundo da Disney e cai lá dentro do Einstein já com um monte de pacientes com câncer”, disse ela.
Eliana, que tinha 56 anos, parecia ter esperado o fim da Daslu para se despedir de um mundo que, definitivamente, não parecia mais ser o dela. E deixou instruções precisas a parentes e amigos do que deveria vestir no dia em que fosse sepultada – uma última deferência a um universo que ela de certa forma ajudou a construir.
Apesar dos erros que cometeu, Eliana foi o maior nome que a moda deste país já teve, sedimentou a maior grife do mercado nacional e construiu a mais famosa marca brasileira de roupas no exterior. Graças a seu pioneirismo, outras acharão seu lugar ao sol.
24 de fevereiro de 2012 | 9:34
fonte:http://colunas.revistaepoca.globo.com/brunoastuto/2012/02/24/foi-se-o-maior-nome-da-moda-brasileira/