sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O novo CD de Mallu Magalhães



Enviado por Leonardo Lichote -4.12.2009

Crítica publicada no Globo de hoje. Leia aqui entrevista com a cantora.
Som amadurecido, vibração juvenil
Mallu Magalhães não é mais criança. “I’m no longer aged ten” (“Não tenho mais dez anos”), ela canta já na primeira faixa de seu segundo CD (Sony), batizado simplesmente com seu nome. Mas a cantora de 17 anos — fenômeno da era digital, revelada via MySpace quando tinha apenas 15 — também não é adulta. De sonoridade e composições mais maduras que seus trabalhos iniciais (e mesmo seu primeiro CD, que já era uma evolução), seu novo disco carrega, porém, em suas 13 canções, uma vibração juvenil. Se isso se reflete em letras que podem parecer ingênuas ou pueris, por outro lado pulsa uma força, um frescor, uma coragem de abrir cabeça e peito que não costuma sobreviver à passagem do tempo. No álbum, para seu bem, entre o frescor e o risco do pueril, o primeiro sai ganhando.

“My home is my man”, a tal faixa de abertura, impressiona e captura o ouvinte de cara com sua sonoridade de rock vintage-contemporâneo. Do riff de piano à guitarra de alma valvulada, passando pela urgência da voz rouca de Mallu, tudo amplifica e dá credibilidade a versos como “My body is my band” (“Meu corpo é minha banda”) e “My song is my land” (“Minha canção é minha terra”).

A música dá início também, para quem se interessa, ao jogo de catar referências a Marcelo Camelo, namorado da cantora e discreto convidado em quatro faixas (três vocais de apoio, um assovio), além de influência em outras, como “Versinho de número 1” e “O herói, o marginal”. Nas faixas seguintes, aprendemos coisas como o hábito de Mallu de se deitar no colo de Camelo — há duas canções que mencionam isso. A revelação de cenas da intimidade — que, por banais, nem caráter de revelação têm — pode agradar um voyeurismo superficial, numa espécie de revista-de-celebridades-indie. Mas essa é a audição mais rasteira que se pode ter. O que as cenas têm de mais poderoso é a carga de verdade que elas injetam num disco que fala, sobretudo, de amor (reforçando: com um olhar juvenil).

Declarações de amor e “flower power”

O caráter de disco de amor está nas singelas declarações de “Te acho tão bonito” (canção popular apaixonada, de sopros doces e atmosfera algo belle époque), “You ain’t gonna lose me” (country com piano de saloon e referências a Enio Morricone), “É você que tem” (cordas instaurando uma elegância dramática) e “Versinho de número 1” (sambinha-pop que trafega num universo Los Hermanos e “Balada do amor inabalável”, do Skank). Mas o amor que atravessa do CD ultrapassa essas fronteiras. Ele é também o “love, love, love” dos Beatles — o flower power reencarnado no século XXI em nomes como Devendra Banhart e Little Joy e visitado com certa pureza (ora bonita, ora simplória, ora ambas) por Mallu, em versos como “Love is no problem/ (...) Life is good/ Life is so fine” (“Make it easy”). Aliás, o quarteto de Liverpool ecoa em “Compromisso” — mais especificamente a circense “Being for the benefit of Mr. Kite”.

Grande referência na origem de Mallu, Bob Dylan ainda é a influência mais marcante. Seu universo country-folk marca momentos como “Nem fé nem santo” e “You ain’t gonna lose me”. E “Ricardo” emula as canções-de-personagens do americano, como “John Brown” ou “The ballad of Frankie Lee and Judas Priest”. Mas o disco, sonoramente, vai além, dos metais coreto-Jamaica de “Shine Yellow” ao tropicalismo-Lanny-Gordin de “O herói, o marginal”. Mérito, claro, de Mallu (violões, uquelele e kazoo), mas também do produtor Kassin e da banda — Thiago Consorti (baixo), André Lima (pianos e teclados), Kadu Abecassis (violões e guitarras), Jorge Moreira (bateria e washboard). Há participações de músicos como Mauricio Takara (bateria e percussão), Kassin (entre outras, guitarra cítara na lisérgica “Bee on the grass”) e Felipe Pinaud (arranjos de cordas, madeiras e metais).

As canções em português ganharam espaço (duas no CD anterior, seis neste). Um CD mais “brasileiro”, portanto? A questão é uma bobagem, sobretudo quando se nota que muitos de seus versos em português têm uma nítida influência do “pensamento anglo” de Mallu. Os apóstrofos no encarte em palavras como “qu’é” e “d’apagar” evidenciam isso. Mas, a última faixa, “O herói, o marginal”, que flerta com Oiticica e com a figura do “poeta tropical” (“Dera eu pobre leão/ Fazer parte da nação”), mostra algo inexistente em seu trabalho até então. E aponta, quem sabe, caminhos para os dias de maturidade.
Ouça "My home is my man"

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