Jeiza (Paolla Oliveira) e Bibi (Juliana Paes) de A Força do Querer (Divulgação/TV Globo)
Muitos foram os trunfos de A Força do Querer, novela de Gloria Perez que devolveu ao público o prazer de acompanhar uma trama das nove. O folhetim foi feliz na abordagem de vários assuntos, na construção da relação dos personagens, no elenco muito bem escalado e na direção criativa de Rogério Gomes e Pedro Vasconcelos, que conseguiu fugir do lugar-comum, ao mesmo tempo em que mantiveram as características do gênero.
Gloria Perez parece ter aprendido algumas lições após a criticada Salve Jorge. Quando a mocinha Morena (Nanda Costa) não foi uma unanimidade e a insistência em abordar uma cultura internacional “exótica” se manteve com o núcleo desnecessário da Turquia, a autora tratou de deixar sua nova história mais “limpa”, sem excessos ou pirotecnias. Assim, em A Força do Querer, não havia apenas uma mocinha, mas várias protagonistas que lideravam diferentes histórias, enquanto a tal “cultura exótica” ganhou cores brasileiras, ao mostrar ao restante do país boas curiosidades sobre o Pará.
Com estes ingredientes, A Força do Querer mostrou-se uma novela poderosa, que não tentou reinventar o gênero, mas, sem dúvidas, conseguiu fazer algumas concessões dentro do próprio gênero. Sempre em sintonia com a contemporaneidade, Gloria Perez fez de A Força do Querer uma novela de grandes personagens femininas, num momento em que se fala tanto no feminismo. Três de suas protagonistas não tinham nada de mocinha clássica: Ritinha (Isis Valverde) era egoísta e inconsequente, enquanto Bibi (Juliana Paes) tomou o rumo do crime em nome de um amor; já Jeiza (Paolla Oliveira), a única “heroína” de fato delas, abriu mão de sua vida amorosa em razão de uma ambição profissional.
Dentre elas, a história mais interessante, sem dúvidas, foi a de Bibi. A transformação da pacata jovem em “imperatriz do tráfico” em nome de seu amor a Rubinho (Emílio Dantas) foi cheia de nuances, boas sequências e momentos de viradas impactantes. Juliana Paes, que já tem uma gama de boas personagens no currículo, com certeza agora terá a Bibi Perigosa num lugar de destaque. Uma ótima personagem, feita por uma ótima atriz. Destaque, claro, à presença forte de Elizângela como a mãe de Bibi, sempre ao lado da filha, sofrendo e lhe dando conselhos. Aurora foi outra das grandes mulheres de A Força do Querer.
Outro grande acerto foi a boa abordagem da questão trans. Por meio de Ivana (Carol Duarte), que se descobre um homem trans ao longo da novela, a autora conseguiu, de maneira didática na medida, explicar ao público heterogêneo de uma novela, o que é, afinal, a transexualidade. Outro assunto que anda na pauta do dia nos últimos anos, tal questão teve uma abordagem corajosa e eficiente na trama. Com a saga de Ivana, que se torna Ivan, o público se tornou testemunha do personagem na sua descoberta de si mesmo. A angústia de Ivan, que deixou bastante claro que ninguém escolhe ser trans ou cis, fez com que a audiência compadecesse e torcesse por ele. E Gloria ainda optou por seguir pelo caminho mais “complicado”, ao fazer de Ivan um homem trans e gay. Seu final ao lado de Claudio (Gabriel Stauffer) foi mais uma de suas ousadias.
A Força do Querer também acertou ao usar Nonato (Silvero Pereira), a travesti Elis Miranda, como um contraponto a Ivan, explicando a diferença entre ser travesti e ser transexual. Quando Ivan e Nonato se encontram na história, as tramas de ambos crescem e se tornam vigorosas. Neste contexto, merece menção, também, as presenças de Biga (Mariana Xavier) e Simone (Juliana Paiva).
Simone, aliás, foi uma personagem que muitos não entenderam, já que, por ela estar sempre envolvida em problemas “alheios”, não tinha trama própria. Na verdade, a personagem foi importante justamente por isso. Ao mesmo tempo em que servia de principal apoio ao primo Ivan, Simone sofria em razão do vício em jogo da mãe Silvana (Lília Cabral), mais uma grande mulher da novela. A relação entre Simone e Silvana subvertia a ordem da relação entre mãe e filha, já que, aqui, era a filha quem brigava com a mãe para que esta tomasse juízo. E a história de Silvana, mesmo repetitiva, conseguiu explicar também o que é e quais as terríveis consequências que o vício em jogo traz na vida de quem joga e quem convive diretamente com quem joga. Demorou para que esta trama se desenrolasse, mas ao menos rendeu uma sequência impactante no episódio final, quando o agiota toma Simone refém e Silvana finalmente confessa, a si e à família, que é uma viciada em jogo.
Completando a gama de grandes mulheres de A Força do Querer, havia ainda Irene (Débora Falabella) e Joyce (Maria Fernanda Cândido). Enquanto a vilã passou a trama toda infernizando a dondoca e seu marido Eugênio (Dan Stulbach), a mãe de Ivan e Ruy (Fiuk) sofria ao não ter a vida perfeita que sempre sonhou ter. Joyce chorou ao ser traída, ao descobrir que a filha na qual espelhava sua vaidade era, na verdade, um homem, e, ainda, precisou engolir Ritinha, uma nora bem complicada. Vale destacar o crescimento de Maria Fernanda Cândido ao longo da obra. Começou insegura, mas, aos poucos, conseguiu dominar as nuances e contradições de Joyce. E, claro, é sempre justo destacar os belos trabalhos de Débora Falabella, Dan Stulbach e Isis Valverde. Fiuk é que era o elo mais fraco, e sua escalação para um personagem tão importante quanto Ruy não se justificou.
Por tantos acertos, nada mais justo que A Força do Querer tenha se tornado a novela das nove mais vista desde Avenida Brasil. A trama trouxe qualidades que mexeram com o público e mostrou que a novela, enquanto entretenimento e agente social, ainda tem uma força que está longe de se esgotar.
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por André Santana
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