segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A vida é um folhetim

11 de janeiro de 2010
TELEVISÃO
Diário Catarinense


Microssérie Dalva e Herivelto teve como trunfo recontar a história e os dramas do casal de compositores e cantores sem cair na pieguice dos dramas televisivos

No último capítulo da microssérie Dalva e Herivelto, levada ao ar pela Globo na semana passada, o rancoroso Herivelto Martins, na praia, sozinho, chora em silêncio a morte de Dalva de Oliveira, depois de ter se recusado a visitá-la em seus últimos momentos de vida no hospital. Pois é. Os canalhas também choram, alerta-nos Maria Adelaide Amaral.

A trajetória tumultuosa do mais importante casal da história da música popular brasileira foi narrada em ritmo vertiginoso, dada a exiguidade do tempo. Cinco capítulos foi pouco. A vida de Dalva e Herivelto – que renderia pelo menos o dobro de capítulos, como no caso de Maysa, também retratada em minissérie da Globo no ano passado – foi um folhetim de verdade, com todos os ingredientes típicos de um drama rodrigueano, recheado de lágrimas, intrigas e traições conjugais. Um roteiro frouxo e uma direção vacilante poderiam ter transformado isso tudo em descabelado dramalhão mexicano. Não foi o que se viu.

Maria Adelaide e Dennis Carvalho souberam conduzir a trama e transformar o tempo curto a seu favor. A narrativa ágil – pontuada por elipses, com variações cromáticas para situar épocas distintas e com a música da Era de Ouro do rádio ajudando a costurar a história – não se preocupou em ser excessivamente didática.

O contexto de época estava lá, sutil e bem amarrado: o governo de Getúlio, a eclosão da Segunda Guerra, o presidente Dutra e o fechamento dos cassinos, o surgimento da televisão. Mas nem por um minuto caiu-se na tentação de dar aulas de história ao telespectador. Os personagens paralelos – Francisco Alves, Emilinha Borba, Ataulfo Alves, David Nasser, Dercy Gonçalves, entre tantos outros –, do mesmo modo, foram aparecendo, cena após cena, sem necessidade de apresentações prévias.

Em vez de buscar caracterizações minuciosas dos atores – em Maysa, por exemplo, era por vezes assombrosa a semelhança da atriz Larissa Maciel com a cantora que ela encarnava, a microssérie optou por privilegiar as interpretações. Até Grande Otelo aparece alguns bons palmos mais alto, sem que com isso o ator Nando Cunha o fizesse menos verossímil. E Dalva – chamada de “Pretinha” por Herivelto – tinha pele bem mais escura do que Adriana Esteves, mesmo bem bronzeada.

Adriana, aliás, ainda que aqui e ali pareça ter revivido por instantes a Celinha de Toma Lá, Dá Cá, fez uma Dalva competente, inclusive na dublagem dos números musicais, o ponto alto do programa, com reconstituições impecáveis de cenários e figurinos, marca registrada da emissora.

Muito foco em Dalva nos capítulos finais

Certas licenças poéticas, contudo, incomodaram. Por que, afinal de contas, na microssérie, o segundo marido de Dalva – o empresário argentino Tito Clement – transformou-se em um cantor mexicano de boleros?

E como não poderia deixar de ser, foram salientadas as inegáveis e notórias escapadas e traições de Herivelto, vivido por um convincente Fábio Assunção. Mas os pecadilhos íntimos de Dalva permaneceram encobertos pela sutileza e pelo confortável benefício da dúvida.

Especialmente no último capítulo, a trama se focou demais em Dalva, com Herivelto relegado a segundo plano. Uma pena. Perdeu-se a oportunidade de se mergulhar ali no abismo insondável do coração do canalha, nas dores do macho arquetípico, nas agonias do traidor compulsivo e profissional.

*O jornalista Lira Neto é autor das biografias Maysa (Globo, 2007) e Padre Cícero (Companhia das Letras, 2009)

LIRA NETO* | Folhapress

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