terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Eduardo Coutinho e seu cinema


Toda a nossa geração de críticos, pensadores, intelectuais, artistas, criadores, homens e mulheres de cultura, professores e humanistas em geral admiramos Eduardo Coutinho com entusiasmo e aprendemos com ele a falar da vida. A comunidade artística, cultural e cinematográfica brasileira está mesmo de queixo caído. As circunstâncias de sua morte estarrecem e amplificam a tristeza pela perda.

Nas últimas três décadas, Coutinho trabalhou e recebeu em seu escritório despojadíssimo, no Largo de São Francisco, no Rio de Janeiro. Naquele endereço já havia uma sugestão simbólica. Ali, o franciscano Coutinho estava em casa. A matéria bruta de seu cinema estava diariamente nas calçadas do Largo, no centro da capital fluminense, no pregão das vozes, nas barracas populares carregadas de badulaques chineses, nas misturas alucinantes de um país miscigenado, cujas fusões (imprevisíveis e constantes) causam curto-circuito no purismo de alguns.

A cultura popular que interessava a Coutinho era sem preconceitos, sem estereótipos de qualquer tipo. O cineasta disse isso em diversas ocasiões. Seus críticos escreveram sobre isso. Coutinho era um vasculhador à procura de nada prévio. Buscava apenas o extraordinário no cotidiano. Fazia seu cinema com aquilo que encontrava. Aceitava o que via e procurava compreender. Sua revolução estética e metodológica baseava-se nesse desprendimento e nessa ausência de objetivos pré-definidos. Afirmou diversas vezes que fingia roteiros apenas para driblar as exigências do patrocínio. Nossas praxes de fomento exigem do artista uma declaração prévia de intenções que muitas vezes aniquila os achados de sua pesquisa. No campo do documentário o problema se revela com especial gravidade. Coutinho insistiu na contramão das receitas e abriu caminhos.

Tal coragem criativa é para poucos e, por vezes, pessoalmente custosa. Por isso, nos anos 80 e 90, Coutinho andou mal das pernas. Morava mal, comia mal, não tinha dinheiro para as contas do dia-a-dia, muito menos para filmar. Em palestra para alunos de um curso em São Paulo, organizado pelo Instituto Moreira Salles, em meados de 2004, Coutinho afirmou que pensou em desistir de tudo, da vida inclusive. Mas manteve-se firme e a mudança aconteceu.

A "virada" na carreira de Coutinho aconteceu com o filme “Santo Forte”, quando uma geração de jovens entrou em sintonia com a atualidade de seu cinema. Em muitas escolas e faculdades, o cineasta era famoso e elogiado por seu “Cabra marcado para morrer”. O filme impressionava pela estrutura narrativa, mas o assunto parecia remoto, "pertencia" a uma outra geração. A partir de “Santo Forte”, Coutinho se debruçou sobre o contemporâneo e entrou no panteão dos homens que pensaram o Brasil. A crescente platéia de seus filmes passou a misturar gerações distintas. Veio o sucesso, a facilidade para captar recursos, um notório saber reconhecido, a posição de homem sábio (que de fato era), a figura professoral (que exercia recusando) e o reconhecimento internacional. Coutinho era um jovem octagenário, tinha os olhos abertos. Estava no auge de sua lucidez e eloquência.

A polícia tentará explicações materiais para coisas que a alma não entende. Se Coutinho de fato morreu nas circunstâncias descritas, parece um desfecho inadequado para alguém tão infenso ao drama, à tragédia e às estilizações de qualquer tipo. Alguém que apostava no cotidiano maneiro e para quem se poderia imaginar uma morte branda e simples como o seu cinema.
(por josé guilherme pereira leite)

fonte:http://br.noticias.yahoo.com/blogs/blog-ultrapop/coutinho-e-seu-cinema-142503812.html
Por José Guilherme | Ultrapop
imagem:siterg.terra.com.br
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